segunda-feira, março 10

Romeiros

As Romarias Quaresmais


Entrámos na Quaresma e, como todos os anos, na ilha de São Miguel iniciam-se as romarias quaresmais. Todos os anos, por esta altura, se vêem pelas estradas grupos de romeiros a caminhar quilómetros e quilómetros, quer faça chuva, quer faça sol. Novos e velhos participam neste evento. Como terá começado esta tradição? Resolvi investigar.
Estas romarias tiveram início devido a uma série de terramotos e erupções vulcânicas que abalaram toda a ilha de São Miguel e, principalmente, Vila Franca do Campo em 1522 e 1563. Convencidos que estes terríveis fenómenos eram castigo de Deus pelos seus pecados, grupos de homens e rapazes organizaram-se em peregrinação dando a volta à ilha numa semana, parando em todas as igrejas e ermidas onde se invoca a Virgem Maria. Esta era uma forma de pedir perdão a Deus, procurando assim acalmar a sua ira. As mulheres não participavam nestas romarias pois tinham que ficar em casa a tomar conta dos filhos e dos animais.
A romaria quaresmal é uma manifestação de que começa no primeiro fim-de-semana após o Carnaval e termina antes da Páscoa. Decorre ao longo de oito dias, acabando o itinerário no ponto de partida. Este é preparado pelo Mestre do grupo. Todo o percurso é previsto e, por essa razão, já sabem em que local irão passar a noite. Quando está a anoitecer as pessoas do lugar estão à espera dos romeiros no adro da igreja da freguesia para os acolher em sua casa. Aí os romeiros são servidos de uma refeição ligeira, água quente e salgada para lavarem os pés cansados, devido à longa caminhada, e dormir um pouco. No dia seguinte, muito cedo, recomeçam a caminhada.
Uma das obrigações dos romeiros é a encomendação das almas. Durante todo o percurso vão rezando e cantando as orações que são encomendadas pelas pessoas que os vêem passar. O pedido é feito ao “procurador das almas” que tem a função de receber os pedidos. Estas, são orações diferentes, mais parecem um lamento.
Os romeiros não passam despercebidos mesmo para quem não conhece a tradição, pois caminham pela estrada em duas filas, no meio das quais, à frente, está o “portador da cruz”, que geralmente é a criança mais nova do grupo. Reconhecem-se facilmente também devido ao vestuário que usam: sapatos grossos, roupa simples, um xaile de lã aos ombros e um lenço florido ao pescoço ou na cabeça, saca de pano ao ombro para os alimentos, um bordão e o terço, aliás dois, um na mão e outro ao pescoço.
Esta tradição mantém-se bem viva há quase meio milénio e pratica-se com a mesma devoção dos primeiros dias. Embora ela seja tipicamente micaelense e masculina, actualmente já há notícia deste tipo de romarias noutras ilhas, e de uma romaria de mulheres (em São Miguel) que dura apenas um dia.

Luís Miguel Páscoa Teixeira
Nº 11, 6º C